Gerry Cranham e uma vida na fotografia esportiva
Do brilho dourado do troféu Jules Rimet às lendárias camisas vermelhas de mangas compridas, a vitória da Inglaterra na Copa do Mundo de 1966 está profundamente enraizada em nossa memória coletiva. Mesmo para aqueles que não acompanham futebol, as cenas são icônicas e vívidas em nossa imaginação. Isso se deve, em parte, ao fotógrafo Gerry Cranham — um dos poucos a registrar aquele jogo histórico em cores.
“Conheci um jornalista que trabalhava no escritório da Walt Disney em Londres”, relembra Gerry. “Ele também cobria eventos esportivos nos fins de semana e me disse:
‘O futuro é a fotografia em cores. Você deveria experimentar.'”
Esse conselho mudou sua trajetória. Na época, a fotografia esportiva era predominantemente em preto e branco, e poucos ousavam utilizar filme colorido.

Jack Charlton e a seleção da Inglaterra se alinham para os hinos nacionais. (Todas as fotos por Gerry Cranham).
O início da carreira de Gerry como fotógrafo esportivo foi um acaso. Após cinco anos no exército, uma lesão interrompeu sua promissora carreira no atletismo. “Comecei a treinar atletas e achei que seria útil ter uma câmera para analisar seus movimentos”, conta. Com muito esforço, comprou uma Corfield Periflex por £40 — um investimento significativo.
“Não percebi o quanto a fotografia era cara”, admite.
Com pouca experiência, mas muita determinação, Gerry aprendeu por tentativa e erro. “Tinha um pequeno guia de exposições e fui experimentando”, diz.
Seu primeiro rolo de filme, capturando uma corrida de revezamento, foi vendido quase integralmente, apesar da qualidade questionável.
Esse pequeno sucesso o incentivou a continuar.
Nos primeiros anos, Gerry fotografou apenas atletismo, pois era o esporte que conhecia bem. Sua grande virada veio ao ingressar na agência Fox Photos. No entanto, sem credenciais do Sindicato Nacional de Jornalistas, enfrentava dificuldades para acessar as áreas reservadas aos fotógrafos. Muitas vezes, tirava fotos do meio da multidão. Aos poucos, fez contatos valiosos, incluindo John Rodda, do The Guardian, que o apresentou a outros jornalistas e abriu portas em publicações nacionais.
Sua abordagem diferenciada chamou atenção. Certa vez, uma de suas fotos apareceu em cinco jornais no mesmo dia. Outro marco foi quando a Sports Illustrated publicou seu trabalho, o que o levou a conhecer John Lovesey, um dos grandes jornalistas esportivos da época. “Ele me orientou e ajudou a aprimorar minha fotografia”, diz Gerry.
“Trabalhar para a Sports Illustrated me fez evoluir imensamente.”
A Final da Copa do Mundo de 1966
Em 1966, Gerry teve a oportunidade de registrar a Copa do Mundo na Inglaterra. Além da famosa final, cobriu a semifinal contra Portugal e capturou uma imagem premiada de Eusébio — possivelmente a única foto colorida do jogador naquele torneio.

O craque português Eusébio chora após ser eliminado pela Inglaterra na semifinal do torneio.
Na época, a fotografia esportiva em cores era um desafio, devido à limitação dos filmes disponíveis. Gerry utilizava Ektachrome de 60 ASA, exigindo grande precisão na exposição. Durante a final, trabalhava para o Illustrated London News, cuja prioridade era a imagem da Rainha entregando o troféu. Contudo, também teve liberdade para registrar momentos espontâneos do jogo.
Em um tempo onde centenas de fotógrafos cobrem finais de Copa, em 1966 havia apenas cerca de 27 profissionais presentes. “Apenas dois estavam fotografando em cores”, recorda Gerry. Com quatro câmeras Nikon F, ele precisava gerenciar cuidadosamente o filme e a exposição, sem o luxo do foco automático ou altas velocidades de disparo.

Esta cena de Jack Charlton tentando derrubar o atacante alemão Sigfried Held dá uma boa ideia de onde Gerry estava posicionado durante a partida.
Gerry também destaca a genialidade do técnico Sir Alf Ramsey. “Ele planejou cada detalhe. Quando o jogo foi para a prorrogação, fez com que os jogadores ingleses parecessem descansados, enquanto os alemães estavam exaustos. Foi uma estratégia psicológica brilhante.”
Na reta final do jogo, ao se deslocar para capturar a entrega do troféu, Gerry perdeu um gol crucial da Inglaterra.

Após vencer a Copa do Mundo, o técnico da Inglaterra, Sir Alf Ramsey, permanece imóvel e atordoado.
No entanto, esse movimento acabou resultando em uma das imagens mais icônicas da vitória: Ramsey, sentado calmamente, enquanto todos ao seu redor comemoravam euforicamente. “Foi um momento impressionante. Ele nem se mexeu. Fiz apenas dois disparos antes de correr para a sacada, mas aquela imagem se tornou uma das mais lembradas.”
Legado
Embora não seja um nome amplamente conhecido, Gerry Cranham foi um pioneiro da fotografia esportiva, elevando-a a um nível artístico. Seu trabalho transcendeu a simples documentação dos eventos, ajudando a moldar a forma como o esporte é visualmente retratado.

Os campeões ingleses comemoram a conquista da Copa de 1966.
Sua relevância foi reconhecida quando o Victoria & Albert Museum lhe concedeu uma exposição individual — a primeira dedicada a um fotógrafo britânico. “Estava tão ocupado com meu trabalho que demorei meses para aceitar o convite”, conta Gerry. “Foi uma carreira intensa, e é por isso que estou tão exausto agora!”
A trajetória de Gerry Cranham, que começou como um acaso e se transformou em uma revolução na fotografia esportiva, permanece um testemunho de paixão, dedicação e inovação.
Garry faleceu em 20 de Outubro de 2023.

Crédito: Mark Cranham
Suas imagens não apenas registraram momentos históricos, mas ajudaram a redefinir o modo como o esporte é visto e lembrado.
REDAÇÃO LATITUDE
